sábado, 11 de fevereiro de 2012

Resenha do Texto - Observações sobre o Amor Transferencial (Novas Recomendações Sobre a Técnica da Psicanálise III) - 1915

Observações sobre o Amor Tranferencial (Novas Recomendações Sobre a Técnica da Psicanálise III). (1915)

Diego Amaral Penha – 05/12/2011

A Transferência é uma das “facas de dois gumes” da técnica psicanalítica. O bom andamento do tratamento é totalmente dependente de um bom manejo da relação tranferencial. No outro gume temos que as falhas com a mesma produzem armadilhas, em que mesmo os grandes psicanalistas já caíram. A relação analista-paciente é o maior alvo de críticas sobre a técnica da Psicanálise, apesar de nem sempre o crítico saber que dirige sua crítica à Transferência.
Freud inicia o texto afirmando que uma das maiores dificuldades de ser Psicanalista está no manejo da Transferência. Especificamente, o autor decide por falar do amor transferencial, já que desde os primórdios da Psicanálise a relação analista-paciente deu muito “pano para manga”.
Faz uma analogia entre o manejo da Transferência feito pelo analista, com o manejo de substancias químicas, feito por um químico. O psicanalista sabe que está trabalhando com forças explosivas em seus pacientes, e desta maneira atua, ou deveria atuar com extrema cautela e rigor. Assim como os químicos, os psicanalistas trabalham em situações muito delicadas e apesar do alto risco oferecido por tal labor, alguém tem que fazê-lo.
O que está em discussão neste texto é o fato, comprovado pela prática, de que pacientes se apaixonam pelos terapeutas. Os argumentos explicitados têm por objetivo registrar como deve ser pensada e aplicada a técnica analítica em oposição ao senso comum, recheado de valores morais.
Segundo o autor, nestes casos de apaixonamento somos de imediato convocados a nos posicionar a favor da moralidade. Qualquer leigo instruído, como afirma o autor, diria que a solução para este tipo de situação seria o fim da análise. Encerrar-se-ia, caso ambos realmente se amassem e legalmente começassem a se relacionar, ou se o analista nada quisesse com a paciente não deveria alimentar as esperanças de um amor sem futuro, ou patológico. Ainda há a possibilidade de uma terceira alternativa reconhecida como imoral, pois propõem o relacionamento amoroso durante o período de análise.
Freud convoca os psicanalistas para um posicionamento mais crítico. Traz para reflexão que o apaixonamento é induzido pela situação analítica e que a técnica analítica exige a negação da satisfação buscada pelo paciente, porém o amor deve persistir. O princípio fundamental desta situação é que a necessidade e o anseio do paciente devem persistir, como combustível para o trabalho e para as transformações que estão por vir. A angústia vivida pelo paciente enamorado de seu analista é também, a reprodução de uma angústia vivida por ele fora da análise. Portanto, suprimir ou satisfazer as ambições do paciente são péssimos desfechos para o tratamento e não dão vazão nenhuma para o trabalho com a angústia.
O caminho do analista não possui modelo na vida real, assim, não pode ser pautado nas experiências vividas fora da situação analítica. O amor vinculado à pessoa do terapeuta pelo paciente pode ser compreendido por dois vieses que apontam para o manejo deste tipo de afeto. O primeiro aborda o amor tranferencial como ferramenta, utilizada a favor da resistência do paciente. O outro viés relaciona o amor aos protótipos infantis de amor que são revividos na figura do analista.
Ambas as afirmações fazem com que a Psicanálise compreenda que o amor transferencial em pouco se difere do amor da vida real. Ele não é produzido pela resistência, esta se utiliza dele, portanto este “amor” já estava flutuante neste paciente e esse amor fora moldado através das relações afetivas infantis dessa pessoa, o que nada têm em incomum com qualquer amor, segundo a Psicanálise.
Assim temos que se o analista levianamente assumir a posição moralista de encerrar o tratamento, ele cometerá um erro. Se ocorrer a interrupção do tratamento por causa do amor, provavelmente o paciente irá se apaixonar pelo próximo analista ou médico que procurar. Os familiares tendem a querer impedir o tratamento nestas condições. Precisam ser esclarecidos de que o apaixonamento é como se fosse um sintoma, e que diz algo sobre como o paciente estabelece suas relações. Retira-lo do tratamento será deixar este amor oculto e a espera de outro objeto para vincular-se.
O paciente cuja capacidade de amar acha-se prejudicada pelas vivências infantis e pelo recalque, sofre, por tanto suprimir tais sentimentos seria um desuso do espaço analítico. Este espaço pode e deve sustentar este tipo de afeto inadequado aos padrões sociais, pois talvez a Transferência analítica seja a única oportunidade de se viver, enfrentar e elaborar a angústia produzida pelos desejos inconscientes.
De posse da responsabilidade incumbida ao analista, compreendemos que deste amor, o mesmo nada tem do que gabar-se. O apaixonamento é provocado pela situação analítica e não possui relação nenhuma com qualquer atributo do analista, por tanto definitivamente não cabe ao mesmo provocá-lo ou produzi-lo.
Quem dedicar-se a trabalhar com a Psicanálise deverá suspeitar de que o deslocamento do foco da análise do tratamento para o apaixonamento significa que a resistência esta a trabalhar. Em momentos assim [...] a resistência está começando a utilizar seu amor a fim de estorvar a continuação do tratamento, desviar todo o seu interesse do trabalho e colocar o analista em posição canhestra. (p.180) Com esta atitude o paciente tenta rebaixar o analista ao nível de amante, já que se este ceder à tentação será complacente à satisfação do paciente. Ceder ao amor do paciente é satisfazer o objetivo de suas pulsões, e o objetivo da análise não é esse.
O analista deve controlar a Transferência com “rédeas curtas” neste momento, não para assegurar sua proteção contra as ações do paciente, mas para utilizar deste afeto a seu favor. Quanto mais o analista perceba que ele está à prova de qualquer tentação, mais prontamente poderá extrair da situação seu conteúdo analítico. (p.184), pois o lugar em que o paciente posiciona o terapeuta na relação transferencial oferece fortes indícios de que lugar o paciente assume em suas relações. Encontramos na Transferência indicações importantes sobre como se estruturou a psique do paciente durante suas vivências infantis.
Freud sublinha, então, que negar o amor tranferencial seria jogar muito trabalho fora. Assim como o terapeuta não se deve retribuir o amor de um paciente, também não deve suprimi-lo. Mas, salienta o autor, de maneira alguma o analista deve ficar no meio termo. Para Freud, impreterivelmente, o analista [...] tem de tomar cuidado para não se afastar do amor transferencial, repeli-lo ou torná-lo desagradável para a paciente; mas deve, de modo igualmente resoluto, recusar-lhe qualquer retribuição. (p.183)
A solução está na sinceridade. A questão da sinceridade é ponto crucial de qualquer análise, pois o princípio básico da atuação psicanalítica é de que o paciente deverá priorizar sua sinceridade, inclusive quando esta parecer absurda ou repudiável. Porém a sinceridade apresenta-se como uma via de mão dupla, pois a confiança somente pode ser estabelecida e mantida com a sinceridade do analista. Freud diz que:
Todo aquele que se tenha embebido na técnica analítica não mais será capaz de fazer uso das mentiras e fingimentos que um médico normalmente acha inevitáveis; e se, com a melhor das intenções, tentar fazê-lo, é muito provável que se traia. (182)
Os motivos éticos juntam-se aos técnicos da Psicanálise, já que o analista deve manter sob a regra da abstinência. O não envolvimento pessoal do analista com o paciente visa manter a oportunidade de se ajudar o paciente neste momento decisivo de sua vida. Apesar de assumir-se que o amor sentido pelo paciente seja um amor real, a Psicanálise impõem a seriedade e sinceridade como pressupostos para o favorecimento da terapia, que tem como objetivo a melhora do paciente.
Freud ao final de seu texto escreve que:
O psicoterapeuta analítico tem, assim, uma batalha tríplice a travar – em sua própria mente, contra as forças que procuram arrastá-lo para abaixo do nível analítico; fora da análise, contra opositores que discutem a importância que ele dá às forças instintuais e impedem-nos de fazer uso delas em sua técnica científica; e, dentro da análise, contra as pacientes, que a princípio comportam-se como opositores, mas, posteriormente, revelam a supervalorização da vida sexual que as domina e tentam torná-lo cativo de sua paixão socialmente indomada. (187)
Parece que nesta citação para além das dificuldades de manejar a Transferência e a Contra-transferência, Freud volta suas críticas para o que talvez fosse o que lhe motivará à escrever o artigo.
Nos anos entre 1904 e 1911, Carl Jung envolvera-se em um relacionamento amoroso com Sabina Spielrein, sua paciente. Este “descuido” afetivo, também ocorrera com Josef Breuer durante o tratamento de Berta Pappenheim, em 1882, quando a Psicanálise estava sendo concebida por Freud. Talvez tenhamos nestes dois casos o primeiro e o último “descuido” para com a técnica aceito por Freud, pois em 1915 é publicado o texto aqui abordado.
Apesar da discrição do autor, não podemos negar que, principalmente, estas duas análises conturbadas provocaram em Freud e seus contemporâneos dúvidas quanto à ética e a utilidade da Psicanálise. O texto aqui discutido é apresentado em tom de resposta ou crítica, para além de recomendação.
Recomendações, Freud propõem, pois para a Psicanálise qualquer tentativa de se organizar um manual ou bula que determine que ações os terapeutas devam tomar em cada situação, seria uma falácia. O que o autor, sutilmente, recomenda neste texto é o ponto de equilíbrio próprio que cada analista deve encontrar entre o rigor e a adequação do método psicanalítico.


Referência
FREUD, Sigmund. O Caso Schreber, Artigos sobre Técnica e outros trabalhos: Observações Sobre o Amor Transferencial (Novas Recomendações Sobre a Técnica da Psicanálise III). Rio de Janeiro: Imago, 1915[1914]. (Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud).

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